Construído entre 1794 e 1797, período colonial de São João da Barra, o prédio que abrigou a antiga Cadeia Pública e Câmara dos Vereadores, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 1967, é um marco imponente no Centro da cidade. As obras de restauração realizadas pelo Iphan em parceria com a Prefeitura já foram finalizadas e o espaço deve ser inaugurado ainda nesse primeiro semestre de 2011. O local vai abrigar um Centro de Informações turísticas e um memorial, com 25 esculturas de fibra plástica, em tamanho natural, que representarão integrantes da sociedade da época, desde escravos, a cobradores de impostos.
A informação é do subsecretário municipal de Cultura, Fernando Antonio Lobato, que está animado com a finalização do projeto, que entra agora, na parte de licitações e montagem com os equipamentos internos do prédio, como o mobiliário no estilo dos móveis da época.
Por ser tombado como Patrimônio Histórico, este é o primeiro prédio da cidade restaurado respeitando sua construção original. Foram acrescentados apenas banheiros, inclusive com acesso facilitado a portadores de necessidades especiais, e um elevador, também para facilitar o acesso. Todos os acréscimos tiveram supervisão do Iphan.
A restauração é uma das ações norteadoras da gestão da prefeita Carla Machado que recebeu os arquitetos do Iphan em 2005, seu primeiro ano de mandato, para se estudar a possibilidade da restauração do local. Na ocasião, a prefeita determinou a realização de uma licitação para restauração do prédio. Orçado em R$ 927 mil a data de ordem de serviço foi 22 de março de 2010.
– Encontrei um documento do Iphan, da década de 1960, determinando que o espaço virasse um museu e um centro de informações turísticas. Levamos a proposta para o Conselho Municipal de Cultura. Como não temos material suficiente para um museu, decidimos fazer essa espécie de memorial, com as esculturas que são inspiradas nas pinturas de Debret, que retratam bem essa época colonial, para que as pessoas possam ver as vestimentas e ter informações da sociedade da época – explica Fernando Lobato, que também é historiador e presidente do Conselho Municipal de Cultura.
O prédio possui dois andares: o térreo, onde funcionará o Centro de Informações Turísticas, com lousas digitais, onde os visitantes poderão se informar sobre os pontos turísticos e naturais do município, que podem ser visitados, e o andar superior, onde funcionará uma espécie de centro memorial, com uma exposição de documentos históricos, doados por Fernando Lobato.
– São coleções que reúno durante anos, muitas que foram jogadas fora por antigas administrações municipais. Entre elas, temos um ofício de felicitação pelo nascimento do Príncipe do Grão-Pará, um título nobiliárquico brasileiro, pertencente apenas a membros da família imperial do Brasil, criado durante o Primeiro Império. Também temos algo sobre a construção da Câmara. Pretendemos desenvolver nesse espaço um projeto de levantamento histórico sobre a vida pública no município, aproveitando os universitários bolsistas de História. Essa é uma idéia da prefeita, ter movimento naquele espaço cultural, já que teremos também um curso de guias turísticos mirins – observa o subsecretário, acrescentando que também será possível uma parceria com o Arquivo Público Municipal de Campos na realização de um curso de recuperação de documentos.
A recuperação do patrimônio arquitetônico é uma forma de se manter viva a raiz cultural sanjoanense. Outros prédios importantes historicamente já foram recuperados: a antiga Estação Ferroviária, que atualmente é a Estação das Artes Derly Machado; o centenário Cine Teatro São João, que movimenta as artes cênicas, música, cinema e oficinas; e o antigo Grupo Escolar Alberto Torres, que se transformou no Palácio Cultural Carlos Martins. A empresa responsável pela obra é a Conenge Engenharia Ltda, a mesma que restaurou o antigo Grupo Escolar Alberto Torres.
Curiosidades históricas
Não é difícil imaginar, ao passar em frente ao imponente prédio na área central da cidade, que por trás daquelas grossas paredes e grades, muitos atos importantes e também atrocidades foram cometidos. Na parte superior, que serviu à Câmara Municipal até o século XIX, existe um alçapão que era usado para lançar diretamente nas celas da parte inferior os criminosos e até militares revoltosos. A argamassa das paredes é misturada com óleo de baleia, e as grades triplas de ferro nas janelas. A pedra fundamental da obra da Casa da Câmara e Cadeia foi lançada em 1794, mas a construção foi concluída e inaugurada apenas em 1977.
Técnico em Turismo e pesquisador, André Pinto é um dos sanjoanenses que, interessado na história da cidade, mantém um acervo rico em detalhes e curiosidades sobre o desenvolvimento do município. Entre livros e muitas anotações, André retira algumas curiosidades sobre a Casa da Câmara e Cadeia, que muita gente desconhece.
— Na época do Brasil império, quando a Câmara solicitava um orçamento ao governo imperial, ela pedia auxilio de verba apenas para água e luz dos prisioneiros. Não se falava em comida. Dizem relatos que os presos eram pedintes de comida aos transeuntes que passavam por ali — informa o pesquisador.
André Pinto ressalta que já houve um enforcamento em série, envolvendo quatro escravos, acusados de terem matado o senhor de engenho. “O pelourinho era frente à cadeia e esse enforcamento serviu para dar exemplo aos prisioneiros. Segundo o livro “Apontamentos para a história de São João da Barra”, de autoria do meu pai, João Oscar Pinto, um dos escravos teria até conseguido fugir”, acrescenta.
Outro fato curioso ressaltado por André em seus estudos, diz respeito à função da Câmara, que fazia o papel de Legislativo e Executivo na cidade. “O Poder Legislativo servia até mesmo para cuidar dos órfãos do local, tratava da questão da infância nos lugares onde não existia a Roda dos Expostos, por exemplo, além de outras atribuições”, explica.
Além de informações retiradas de livros e documentos históricos, que nos apresenta muitos atos e leis interessantes outorgados na Câmara, André Pinto coleciona relatos de moradores antigos da cidade, como Agenor Pinto, o “Nonô Carcereiro”, que por volta de 1940 trabalhou no prédio que serviu de sede para uma delegacia de polícia. “Ele dizia que a cadeia tinha uma tubulação ou ‘túnel de pedra’ que era para esgoto, com vazão para o Rio Paraíba, mas que teria sido utilizada para fuga de presos. Tal fato nunca foi comprovado e nem o túnel descoberto”, informa André.
Em um dos atos que fazem parte do acervo do pesquisador, lemos que em 12 de março de 1808, por exemplo, os camaristas (hoje, vereador) Domingos Álvares de Barcelos, Amaro da Silva Moreira, João Batista Pinto de Sá Costa e Antônio Pinto Neto enviaram um ofício de boas vindas ao Príncipe Regente de Portugal, Dom João VI, e sua família, que aportavam no Brasil. “E embora os camaristas fossem obrigados a exercer suas funções gratuitamente, eram lhes concedidos gratificações, pagas pelos rendimentos da Câmara, que variavam de acordo com os termos”, diz.
Outro fato curioso se passou em 1821, e envolvia uma questão ambiental. A Câmara, verificando que a Rua Boa Vista havia sido quase extinta por causa da força do Rio Paraíba do Sul, resolveu combater o desastre ambiental exportando pedras do Rio de Janeiro em embarcações. As pedras foram colocadas nas margens, nos lugares mais ameaçados, até conseguirem combater o assoreamento.
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